36º aniversário da instalação da Assembleia responsável pela Constituição de 1988: Veja entrevista com o Deputado Federal Constituinte Lézio Sathler

Nesta quarta-feira, 1º de fevereiro, quando tomam posse os 513 deputados e 27 senadores eleitos para cumprirem a 57ª legislatura do Congresso Nacional, o Brasil comemora o 36º aniversário da instalação da Assembleia Nacional Constituinte, responsável pela elaboração da Constituição Federal de 1988, que celebra 35 anos de sua promulgação em 05 de outubro de 2023.

O tema Constituição brasileira ainda hoje é objeto de intensas celeumas entre a sociedade civil, a classe política, juristas, o setor empresarial e do agronegócio e ultimamente vem alcançando, inclusive, setores militares com a carta magna, contudo, sendo um consenso em seus dispositivos, quando se trata da garantia do processo democrático brasileiro, não obstante ainda atravessar crises que, para os constitucionalistas, resultam mais das instituições civis e governamentais do que propriamente do texto constitucional. O professor, advogado e hoje produtor rural Lézio Gomes Sathler, foi um dos 559 congressistas que compuseram a Assembleia Nacional Constituinte de 1988, se destacando como um dos atores mais importantes durante os 18 meses de debates e votações do texto da nova Constituição da República Federativa do Brasil, discorre aqui sobre sua experiência como Deputado Constituinte e a participação na redação da nova Carta Magna de 1988.

ES FALA: – A constituição Federal de 1988 ficou conhecida como a Constituição Cidadã, como definiu o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, o ex-deputado Ulisses Guimarães. Depois de 35 anos, a Carta Magna ainda pode ser considerada a Constituição Cidadã?

Lézio Sathler: “Sim. E sempre vai ser. A constituição de 1988 tem em sua estrutura básica, contemporaneamente falando, os princípios de direitos individuais e coletivos mais modernos do mundo, inseridos como texto constitucional, sendo reconhecidos, inclusive, por juristas internacionais das maiores democracias do planeta, como regra basilar do princípio de cidadania. Outros avanços no aspecto que a caracteriza como cidadã, foi o processo de elaboração onde houve a contribuição mais coletiva da sociedade brasileira, onde todos os segmentos institucionais organizados deram a sua contribuição, tiveram a sua participação, então o aspecto constituição cidadã, se baseia nesse elemento primordial que foi a grande participação de toda a sociedade brasileira, em todos seus segmentos”

ES FALA – Depois de 35 anos, dos 433 dispositivos passíveis de regulamentação, a Constituição Federal ainda tem 118 dispositivos sem regulamentação, sendo que destes, 28 nem proposições foram apresentadas, segundo levantamento feito pela Câmara dos Deputados. Isso representa um prejuízo para a segurança jurídica?

Lézio Sathler – A Constituição está em permanente debate. A própria Constituição trouxe, de pronto, no artigo. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a proposta de revisão em cinco anos, e também o procedimento de reforma, no seu art. 60, mas esta recapitulação acabou não acontecendo por completo, deixando hiatos motivados por politicagens, turbulências e efervescências políticas, além de desaguadouros de legados do período de arbítrio, que contribuíram para a omissão de algumas matérias que naquela oportunidade ainda eram muito sensíveis para o momento e mesmo assim essas  regulamentações, como também a provisão de Emendas Constitucionais, foram até previstas visualizações no sentido de que elas viriam mais cedo ou mais tarde e o Parlamento brasileiro, a sociedade, a cultura, brasileira, a etnia brasileira a composição do povo brasileiro, pela sua diversidade, aflora isso com muita facilidade, então a envergadura do texto constitucional de 1988, ofereceu propostas de emendas, leis complementares, códigos, leis orgânicas, o que reflete esse elemento que a própria Constituição trouxe, abarcando com grande abrangência, assuntos que depois precisam ser regulamentados, muito deles assim o foram, mas estes casos, além das emendas constitucionais, ainda temos a revisão, que são, assim por dizer, o poder constituinte coletivo e difuso, aquele poder de fato, não de direito que altera o sentido, a interpretação da Constituição, sem alteração do seu texto, oferecendo uma arquitetura aberta à renovação, até pela iniciativa popular, ampliando seu alcance e efetividade para todos os tempos futuros.

ES FALA – A Assembleia Nacional Constituinte de 1987 foi o resultado de vários fatores  sociais, políticos e econômicos causados pela expansão do autoritarismo com a edição de Atos Institucionais com poder constituinte e aglutinou vários espectros políticos predispostos com o mesmo objetivo de elaborar uma nova constituição. Como se mobilizaram estas forças de interesses heterogêneos em torno da redação do texto constitucional?

Lézio Sathler – O momento da constituinte foi um momento singular, principalmente pelo aspecto de que os blocos contavam com lideranças que passaram a atuar e se manifestar encontrando espaços para seu trabalho, a defesa de seus princípios e aspirações. O Dr. Ulisses Guimarães era o líder maior no processo constituinte, entretanto esse processo de articulação havia dentro do todos partidos, que contavam com expressivas lideranças, como o MDB, PFL, PDS e PTB que formaram um bloco de centro juntamente com PDS, PTB e PL, principalmente, e com PT e PDT e outros se articulando no segmento progressista, então você tinha o contraditório, mas tinha também o respeito, havia o consenso e o dissenso, você chegava em matérias sensíveis como reforma agrária, direitos da propriedade privada, direito de mineração, a estruturação do SUS e outros tantos que tinham grandes debates acalorados, para a obtenção daquilo que era possível, e o possível, estava na capacidade do líder de extrair do consenso, do dissenso e do contraditório, a construção da harmonia e assim, a CF de 1988 traz esse elemento que reflete a diversificação da representatividade e traz à luz longos anos de obscurantismo, de ausência do exercício democrático, então o Parlamento aperfeiçoou muito a arte de ser oposição, o MDB era oposição ao regime militar e dentro do próprio regime militar, que tinha como base de apoio o próprio partido do PFL, que contava com destacados líderes como o presidente Jose Sarney, Marco Maciel, Antônio Carlos Magalhães, pessoas de grandes valores democráticos e que nos campos diversos transitavam com certa facilidade com seus valores de líderes e então havia uma interação entre as forças que representavam as diversas correntes políticas, independente de ideologia, de viés partidário, apresentavam o que era exequível na busca do bem comum, o que repercutiu um aspecto notável, de que apesar da Assembleia Nacional Constituinte ter sido composta, em sua maioria, por forças mais conservadoras, o resultado dos trabalhos acabaram por produzir uma Constituição bem mais progressista do que era presumível , ou seja, o viés mais conservador mostrava- se mais inclinado à construção de uma nova Constituição bem mais progressista, mais participativa e a construção de um Estado democrático de direito.

ES FALA – O Congresso Nacional nos próximos quatro anos, contará com uma composição dominada pelo Centrão, com presença maciça de diretriz conservadora, além de contar com uma parcela que emergiu em 2018 de identificação no campo da direita de orientação radical. Estas tendências de extremos podem trazer mudanças mais significativas aos direitos e garantias individuais de cidadania e alguma reforma institucional alcançadas na Constituição de 1988?

Lézio Sathler – Podem dentro de um determinado espectro, a direita, o conservadorismo sempre existiu e faz parte de todas os povos e continuamente estará presente na sociedade brasileira, este alinhamento conservador sempre esteve nos momentos da história, em todos os períodos da República, na construção dos usos e costumes, e a cultura brasileira exala esta questão do conservadorismo, entretanto, o que tem sido prejudicial e tem contaminado a condução dos processos democráticos, é o extremismo, tanto de direita quanto de esquerda, não obstante a vocação política brasileira ser de manifestação moderadora, não de opostos políticos. Situando num corte histórico e cronológico, a Constituição de 1988 veio de uma represa, pois há anos a sociedade estava ausente de elementos de participação, tendo em vista que o regime autoritário produziu mecanismos de contenção de participação, ceifando ao longo dos anos as liberdades individuais, pelo excesso de decreto leis, de medidas contentoras em todos os campos, nos campos legislativo do Executivo, na esfera do Judiciário, no sistema federativo, ao absurdo de que o
Brasil passou período de décadas sem eleições para presidente, para governadores, prefeitos de capitais, de cidades estratégicas, e os processos mais elementares, o direito de organizar os estudantes, a juventude, o movimento sindical através dos sistema corporativo, sendo a organização das instituições muito manietadas, e consolidaram com a censura da Imprensa, da Arte, da Música, Literatura, foi uma tragédia que a Constituição resgatou para permanecerem solidificadas na construção de um Estado democrático e de direito e social no Brasil. Assim, nos embates da Assembleia Nacional Constituinte, a polarização política de extremos, ofereceu espaços para o grupo político de congressistas moderados do PMDB, PFL, PDS e PTB, que ficou historicamente conhecido com Cento Democrático, que se aglutinou para a elaboração do regimento interno, descentralizando a atuação de constituintes, e as regras do regimento que dificultavam alterações no texto aprovado pela Comissão de Sistematização. Isso demonstrou que a natureza do espectro político do brasileiro não se alinha com extremismos, o que nos dá a credibilidade de que grupos minoritários radicais não possuem quórum para alterar textos que desvincule o perfil democrático da Constituição Federal.

ES FALA – Ao consolidar as liberdades e garantias fundamentais de cidadania, a Constituição Federal de 1988 procurou legitimar o direito de expressão e manifestação popular nos valores pluralistas centralizados na harmonia social e na solução pacífica. Como o Sr. analisa estas garantias em relação aos movimentos de protestos imoderados ocorridos na Jornada de Junho de 2013 e de 8 de janeiro último no Brasil?

Lézio Sathler – Os fatos recentes que aconteceram no Brasil, com a eleição de Lula e a derrota de Bolsonaro e culminaram com o deságuo do último dia 08 de janeiro, passou a ser uma data histórica, quando pela primeira vez o tom de violência de manifestações, atingiu o ápice pela invasão dos Três Poderes, aquilo ali colocou a sociedade brasileira com uma antena mais ligada de que estes extremismos realmente são perigosos, lembram as trágicas rupturas institucionais como aquelas que aconteceram com a ascensão do Fascismo de Mussolini na Itália, com o Nazismo de Hitler na Alemanha, na Espanha de Francisco Franco e mais recentemente a invasão do Capitólio por supremacistas em  Washington, mostraram que os grandes movimentos radicais de extrema direita consolidando em violência, assustaram, despertou a prudência de muita gente que não estava com a atenção voltada para estas questões, então, eu não acredito, pela experiência que vivi no Congresso, eu não acredito que estes grupos de orientação radical e anarquista, representam um quantitativo mais plural para a condução de matéria legislativa e não vão influir no resultado do processo, então você vê que em dois momentos áureos pós 8 de janeiro, os presidentes da Câmara e do Senado, se articularam com os líderes partidários de todas as correntes, repudiando aqueles atos, além do presidente da República ter sido capaz de unir todos os governadores como demonstração de um sistema federativo dúctil, com um Judiciário forte, um Legislativo teso e um Executivo robusto, e também em nova reunião depois com os governadores tratando de questões executivas, de gestão do Estado Federativo, que tem suas necessidades, suas
carências, suas reivindicações e estruturas a serem atualizadas e então demonstra um sinal muito coeso na condução do processo, e Lula, como líder, poderá conduzir essas questões mais sensíveis, principalmente ante os reflexos da política externa, assim como vemos a solidariedade de tantos estadistas de países de democracia sólida, demonstrando, que tentativas de rupturas com o processo democrático acabam refletindo na reprovação pelo processo político global ao invés de ser uma política nuclear, apenas um episódio isolado.

O zelo pelo processo democrático por parte das instituições de Estado e pela própria sociedade civil, com a reprovação de comportamentos e arroubos que arranham a lisura de um Estado democrático de direito e bem estar social, é uma evidência da robustez da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

ES FALA: reportagem e entrevista crédito exclusivo/jornalista independente Manoel Moreira.

Uma resposta

  1. Sou leitora assídua do ES Fala e pouco vi uma matéria tão bem elaboradacom um conteúdo tão cultural e instrutivo, trazendo a constituição brasileira para o contexto do momento presente em um texto de feeling apurado e de ética profissional do jornalista e admirável conhecimento do entrevistado, sobre a atualidade brasileira da carta magna e os assuntos que eram pertinentes quando ela foi elaborada. Leio é um grande ator como político e como cidadão que sempre se dedicou aos temas da política brasileira.

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