Escândalo: Deputado, vereador e jornalista usaram provas ilícitas para denunciar irregularidades em licitação do Detran e acusar governador, diz Ministério Público

As supostas provas de possíveis irregularidades na licitação aberta pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran) para a instalação do programa  Cerco Inteligente de Segurança nas estradas do Espírito Santo e inseridas em um pen drive publicado pelo jornal eletrônico Folha do ES, são ilícitas.

É o que consta em decisões tomadas em Representações e Notícia de Fato proferidas ao longo dos últimos dias pela procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, que é a chefe do Ministério Público do Estado do Espírito Santo.

Diante da descoberta da ilicitude das supostas provas inseridas no pen drive, a procuradora-geral de Justiça arquivou as Representações e Notícias de Fato e ainda determinou à Polícia Civil a instauração de Inquérito Policial, “para apurar suposta ocorrência de ilícito na obtenção de tais provas”.

Três das Representações foram levadas ao Ministério Público pelo deputado estadual Carlos Von Schilgen Ferreira (Avante), pelo vereador Armandinho Fontoura (Podemos/Vitória) e pelo jornalista e advogado Jackson Rangel Vieira, dono do Folha do ES, autor de reportagens que acusam, sem provas, membros do Governo do Estado de “corrupção” e de se “beneficiar com a licitação do Detran” para “favorecer um consórcio de empresas”.

Todas as decisões da procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, foram tomadas no mesmo sentido, já que as Representações feitas por Carlos Von, Jackson Rangel e o vereador Armandinho têm as mesmas informações.

Ou seja, os denunciantes, sem o cuidado de averiguar a licitude das provas, encaminharam pedidos de investigação a diversas esferas de fiscalização estatal, além de publicarem mensagens em suas redes sociais e reportagens diversas no Folha do ES e em outros portais de notícias. Além disso, o deputado Carlos Von, o vereador Armandinho e o jornalista Jackson Rangel sabiam que no pen drive havia troca de mensagens de terceiros e mesmo assim as tornaram pública, o que é crime.

Uma das decisões se refere ao Gampes nº 2021.0007.4175-53, relativa à Notícia de Fato recebida na Procuradoria-Geral de Justiça em 14 de abril de 2021, em virtude de declínio de atribuição promovido pela Procuradoria da República no Espírito Santo, subscrito pelo procurador da República Alexandre Senra, entendendo que não há, no caso, afronta a bens, serviços e interesses da União.

No dia 10 de abril de 2021, o Blog do Elimar Côrtes já havia informado que levantamento inicial a respeito do pen drive contendo informações sobre o processo de licitação do Detran/ES revela uma série de cometimento de adulteração e falsificação de documentos públicos. O caso virou alvo de investigação da Polícia Civil.

A origem da Notícia de Fato, explica Luciana Andrade, “trata-se de representação dirigida ao Ministério Público Federal, formulada via e-mail em 03/04/2021 pelo Deputado Estadual Carlos Von Schilgen Ferreira, noticiando suposto direcionamento no Pregão Eletrônico n° 021/2020, realizado pelo Estado Espírito Santo, por intermédio do DETRAN/ES, para aquisição, implantação, manutenção e suporte de Plataforma Tecnológica Integrada de Monitoramento Veicular”.

A chefe do Ministério Público Estadual informa ainda que tramitou no gabinete da Procuradora-Geral de Justiça o expediente GAMPES nº 2021.0006.9934-63, anexado ao Gampes nº 2021.0004.9461-26, “por meio do qual o ora noticiante, Deputado Estadual Carlos Von Schilgen Ferreira, formalizou denúncia idêntica à ora analisada, dirigida a esta Procuradora-Geral de Justiça via e-mail encaminhado em 06/04/2021”.

De acordo com o despacho da procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, “narra a peça apócrifa que o procedimento licitatório estaria sendo direcionado para beneficiar as empresas Dahua, Perkons e Velvis, e que estariam envolvidos no suposto fato ilícito o Governador do Estado do Espírito Santo, o Presidente e Diretores do Detran-ES, e Secretários de Governo, os quais seriam beneficiados financeiramente, conforme o seguinte trecho da notícia”.

Aduz o denunciante anônimo que todos os documentos das fases externa e interna da licitação foram elaborados pela empresa Dahua, e que o alegado direcionamento pode ser verificado através de: (i) email trocado entre o Diretor da empresa Dahua e a empresa Perkons, bem como e-mail trocado entre a empresa Dahua na China e a Dahua do Brasil, supostamente tratando sobre o objeto da licitação 3 (três) meses antes da data de sua deflagração; (ii) arquivos onde “a propriedade do documento tem como titular DAHUA + integrantes do Governo + PGE + PERKONS + VELVIS”; e (iii) e-mail “interno e confidencial do Governo requisitando” à empresa Dahua que encaminhasse “o projeto + apresentação ao Governo sobre o projeto + minutas dos Termos de Referência da Consulta Pública e minutas do Termo de Referência do Edital

Prossegue a procuradora-geral de Justiça ao relatar o que consta nas Representações: “Assinala que, além da denúncia, disponibiliza pen drive no qual constam os e-mails que demonstrariam os fatos noticiados. Confira-se, in verbis: ‘Além da presente denúncia, foi disponibilizado um PENDRIVE comprovas concretas do esquema articulado entre DAHUA + PERKONS+ DETRAN + GOVERNO DO ES.. .até mesmo a PGE consta nos documentos. Isso mesmo.. .a PGE”.

Colaciona à denúncia apócrifa cópia de petições formuladas pelas empresas Johnson Controls BE do Brasil, Engie Brasil Soluções Integradas LTDA. e Serget Mobilidade Viária, impugnando o edital da licitação em questão.

Luciana Andrade revela ter determinado a anexação aos presentes autos do GAMPES nº 2021.0004.2042-05 e nº 2021.0006.1312-45, ambos deflagrados a partir de representação anônima idêntica à ora declinada pelo Ministério Público Federal, que aportaram no MPES, respectivamente, perante o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) e perante a Promotoria de Justiça Regional de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial, encaminhados ao gabinete da PGJ em razão da “indicação de envolvimento de pessoas com prerrogativa de foro.”

De igual modo, prossegue Luciana Andrade, “determinei a anexação ao presente feito do GAMPES nº 2021.0002.2299-53, então apensado ao GAMPES nº 2021.0006.1312-45, que cuida de petitório (petição) formulado por Jackson Rangel Vieira”, dando “ciência do conteúdo de reportagem” e requerendo o recebimento como representação para apuração dos fatos ali noticiados.

Segundo a chefe do Ministério Público, colaciona à petição, exclusivamente, identidade profissional do jornalista e duas reportagens publicadas no Jornal Folha ES, ambas como o título “PEN DRIVE REVELA CORRUPÇÃO ENVOLVENDO O GOVERNADOR”.

Luciana Andrade ainda determinou a anexação ao presente do GAMPES nº 2021.0006.9934-63, que chegou no gabinete dela 6 de abril de 2021, por meio do qual o deputado estadual Carlos Von informa que chegou ao seu conhecimento conteúdo de pen drive que instrui este feito, supostamente “vazado” de dentro da empresa DAHUA, o qual traria “provas robustas de suposto direcionamento da licitação do cerco eletrônico em curso no Detran/ES, no valor de R$ 139 milhões de reais”, para conhecimento e providências.

De início, ao analisar os autos, a procuradora-geral de Justiça do Estado, Luciana Andrade, registra ciência do declínio de atribuição promovido pelo Ministério Público Federal e reconhece liminarmente, em cognição sumária, a sua atribuição originária, conforme art. 30, IX, da Lei Complementar nº 95/97, “o que faço para receber o expediente como Notícia de Fato, nos termos do art. 1º da Resolução CNMP nº 174/2017 e passo à análise dos fatos”.

Conforme narrado, trata-se o presente de relato anônimo (reproduzido integralmente nos autos GAMPES nº 2021.0004.2042-05 e nº 2021.0006.1312-45, ora anexados) e, nessa moldura, “examino a questão cum grano salis (com alguma ressalva, com certa reserva), conforme recomenda a jurisprudência do Pretório Excelso”.

Nesse sentido, confira-se excerto de ementa lavrada pelo Supremo Tribunal Federal, in verbis:    ‘Nada impede que o Poder Público, provocado por delação anônima (disque-denúncia, p. ex.), adote medidas informais destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, com prudência e discrição, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com o objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da persecutio criminis, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas. […]. (RHC 117988, Relator: Min. Gilmar Mendes, Relator p/ Acórdão: Min. Celso De Mello, Segunda Turma, julgado em 16/12/2014, Processo Eletrônico DJe-037 DIVULG 25-02-2015 PUBLIC 26-02-2015)”

Segundo Luciana Andrade, além do anonimato, o que por si só não impediria o conhecimento da presente denúncia, “o noticiante deste e dos demais Gampes aqui anexados, lastreiam todas as suas alegações em prova ilícita colacionadas aos petitórios, qual seja, pen drive ou arquivos supostamente contendo e-mails trocados entre terceiras pessoas, apontados como sendo representantes do governo estadual, Procuradores do Estado, e representantes das empresas Dahua e Perkons”.

Completa a procuradora-geral de Justiça: “Registre-se que não é informada a origem da prova apresentada, não havendo explicação de como os pen drives, contendo os supostos e-mails trocados entre terceiros (empresas Dahua e Perkons e entre a empresa Dahua e servidores públicos), ‘caíram’ nas mãos dos noticiantes, a toda evidência porque sabem se tratar de meio de prova ilícito, obtido sem autorização judicial, em afronta à inviolabilidade do sigilo das comunicações (art. 5, inciso XII da CF) e à intimidade (art. 5º, X da CF), protegidos pela Constituição Federal, e que apenas podem ser excepcionados por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Constituição Federal”

Luciana Andrade cita a Constituição Federal, para quem, no artigo 5º, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (…) XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (…); LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos.

Explica ainda a procuradora-geral de Justiça que em âmbito infraconstitucional, a Lei nº 12.965/2014, que “Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil”, estipula diversas proteções à privacidade, aos dados pessoais, à vida privada, ao fluxo de comunicações e às comunicações privadas dos usuários da internet, estabelecendo em seu art. 7º, inciso III, a inviolabilidade e sigilo das comunicações/dados privados armazenados, “salvo por ordem judicial”.

Percebe-se, portanto, afirma Luciana Andrade, que os dados armazenados em comunicações privadas somente podem ser acessados mediante prévia decisão judicial – matéria submetida à reserva de jurisdição. “A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é assente nesse sentido, inadmitindo a deflagração de investigação ancorada em provas ilícitas”. Ela cita diversas decisões do STF.

Luciana Andrade afirma mais: “Não bastasse a origem anônima de alguns dos procedimentos ora analisados, bem como a explícita ilicitude da prova no qual se fincam, apenas a título de registro, anote-se que a narrativa contida nas denúncias anônimas replicadas se mostra um tanto quanto contraditória. Isto porque, a despeito de inicialmente afirmar que as empresas Dahua, Perkons e Velvis se associaram em consórcio para participarem do certame licitatório porque a empresa Dahua atua no ramo de videomonitoramento e as empresas Perkons e Velvis no de balanças de pesagem de veículos, mais adiante afirma que as empresas Perkons e Velvis são laranjas da empresa Dahua”.

Ela cita a contradição na narrativa dos denunciantes: “A DAHUA é fabricante Chinês do sistema de videomonitoramento CFTV. A PERKONS e VELSIS são as donas do restante de equipamentos necessários para compor o objeto (balanças)… Documento assinado eletronicamente. Para verificar a assinatura acesse https://validador.mpes.mp.br/9866MGOY A Dahua entraria com os equipamentos do “sistema de videomonitoramento, e as empresas PERKONS e VELSIS são as donas do restante de equipamentos necessários para compor o objeto (balanças)… …É NECESSÁRIO INVESTIGAR E PUNIR OS CRIMESPRATICADOS DE DIRECIONAMENTO DA LICITAÇÃO +ACORDO ENTRE GOVERNO COM A DAHUA + ACORDO DODETRAN COM A DAHUA + PARTICIPAÇÃO DAS EMPRESA LARANJAS PERKONS E VELSIS.”

Para a procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, não se pode esquecer que as impugnações ao edital formuladas pelas empresas Johnson Controls BE do Brasil, Engie Brasil Soluções Integradas LTDA. e Serget Mobilidade Viária, alegando que alguns requisitos e condições técnicas restringiriam o caráter competitivo do certame, o que favoreceria a empresa Dahua, é objeto de análise no Procedimento Administrativo nº 2020.0005.7716-12, que tramita na 27ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória, a qual, caso identifique elementos que cumulativamente evidenciem ilegalidade no certame e indícios concretos de envolvimento de autoridade com foro especial por prerrogativa e função, deve encaminhar os autos a esta Procuradora-Geral de Justiça para adoção das providências cabíveis.

Segundo ela, reitere-se, por fim, que os expedientes nos quais os representantes se identificam, GAMPES nº 2021.0006.9934-63 e GAMPES nº 2021.0002.2299-53, são embasados pelas mesmas mídias ilícitas, e que o segundo, por seu turno, é “instruído” exclusivamente com reportagens publicadas pelo do próprio representante (Jackson Rangel), “cujos títulos se reportam ao pen drive, despidas de corroboração por qualquer elemento substancial, que em nada contribuem para o esclarecimento dos fatos em exame”.

(Neste ponto, Luciana Andrade dá uma aula de jornalismo. O texto de uma reportagem tem que justificar e sustentar o título. A maioria das pessoas só ler o título da reportagem. Não checam se o texto de fato corresponde ao título, sendo, assim, induzidas a imaginar que as reportagens escritas pela Folha do ES estavam corretas quando apontavam, em seus títulos, supostas irregularidades na licitação do Detran.)

Portanto, ao final da análise, a procuradora-geral de Justiça, Luciana Andrade, “ante o exposto, e tendo em vista que os fatos noticiados estão embasados em prova ilícita, determino o arquivamento da presente”. Ela ainda determina que a 27ª Promotoria de Justiça Cível de Vitória e os representantes Jackson Rangel Vieira e o deputado estadual Carlos Von Schilgen Ferreira tomem conhecimento da decisão.

“Oficie-se, ainda, ao Delegado-Geral da Polícia Civil do Espírito Santo, encaminhando-lhe os pen drives que instruem este feito, requisitando a instauração do competente inquérito policial, para apurar suposta ocorrência de ilícito na obtenção de tais provas, a exemplo do tipo descrito no art. 154-A, do Código Penal.”

Fonte:  Blog do Elimar Côrtes

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