Procurador-Geral-Adjunto de Colatina detalha processo na corte inglesa sobre desastre do Rio Doce

Na busca por compreender os desdobramentos e implicações de um dos processos judiciais mais significativos da atualidade, o Portal de Notícias ES FALA entrevistou Guilherme de Castro, procurador-geral-adjunto de Colatina. Guilherme Castro foi integrante da comitiva capixaba em Londres, acompanhando as audiências preparatórias ao julgamento na corte inglesa, que ocorreram nos dias 31 de janeiro e 1º de fevereiro.

O julgamento, agendado para outubro, promete desenrolar uma trama jurídica de proporções monumentais, com o valor global da ação estimado em cerca de R$ 230 bilhões. Esse processo impacta diretamente mais de 700 mil autores, agrupados em quatro categorias distintas: indivíduos, municípios, empresas e instituições religiosas e autarquias. Os percentuais sobre o valor total da ação atribuídos a cada grupo são 66%, 23%, 10% e 1%, respectivamente. Cada grupo está imerso em discussões acerca do deságio, isto é, o desconto máximo que estaria disposto a conceder para o fechamento de um acordo antes da conclusão do julgamento.

A entrevista com Guilherme de Castro oferece uma visão privilegiada dos bastidores desse processo complexo e de suas implicações para os diversos segmentos.

Entrevista com Guilherme de Castro, Procurador-Geral-Adjunto de Colatina

ES FALA: Quais são os principais pontos do processo que está em curso na corte inglesa em relação ao
desastre do Rio Doce?

PROCURADOR: A ação de Londres busca a compensação e a reparação de todos os danos decorrentes do crime ambiental ocorrido com o rompimento da Barragem em Mariana/MG, no ano de 2015.

Os danos reclamados através do escritório inglês contratado, o Pogust Goodhead, busca a
condenação da BHP da Inglaterra e da Vale em todos os prejuízos materiais, morais, ambientais e
estruturais causados a diferentes grupos de autores/vítimas, dentre os principais estão os
municípios, as autarquias municipais, as comunidades indígenas e quilombolas, algumas empresas e
também algumas instituições religiosas.

O escritório de Londres, muito embora tenha reunido todos os pedidos numa única ação como parte
de uma estratégia processual, pleiteia essas indenizações de forma separada e individualizada, ou
seja, cada grupo de autores possui características próprias de quantificação do dano. Isso significa
que os valores a serem recebidos pelo grupo dos municípios e autarquias não interfere nem
influencia nas indenizações que serão às pessoas físicas.

Dentre os danos reclamados pelos municípios, estão os danos ao meio ambiente, à reputação e
imagem do município, à sua herança cultural, paisagística e turística, os danos à saúde, à qualidade
de vida da população e aos seus serviços e estruturas associadas, danos à propriedade pública direta
e também à perda de valores incorridos ou a serem incorridos por conta de litígios, além da perda de
receita tributária.

ES FALA: Como o processo na corte inglesa difere ou complementa as ações judiciais em andamento
no Brasil?

PROCURADOR: Qualquer informação ou notícia que misture a Ação de Londres com as ações judiciais em andamento no Brasil favorecem os interesses das empresas que causaram todos esses danos. É
exatamente essa confusão que elas buscam causar nas pessoas.

Na Ação de Londres, os municípios, autarquias, comunidades originárias, empresas, instituições
religiosas e mais de 700 mil pessoas físicas reclamam as indenizações como autores. Ou seja,
requerem em nome próprio todos os danos que sofreram e ainda sofrem.

Nas ações do Brasil, os direitos dessas pessoas e comunidades, assim como dos municípios, são
tutelados pelos Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual de Minas e Espírito Santo,
além de receber gravíssima intervenção de interesses da União, dos estados de MG e ES,
Defensoria Pública da União, IBAMA, CNJ e uma série de outros órgãos que ora funcionam como
fiscais do processo, ora como interessados.

Durante muitos anos o foco do chamado TTAC foi estabelecer obrigações de reparação dos danos
ambientais, obras de infraestrutura de captação e tratamento da água e esgoto, e critérios para se
definir os valores das famigeradas indenizações. Ocorre que nem as metas da TTAC foram
cumpridas, e logo começaram a discutir uma adaptação desse termo, a chamada REPACTUAÇÃO.

É bem verdade que algumas características dos danos reclamados pelos Ministérios Públicos e
demais órgãos da União e estados de MG e ES aqui no Brasil acabam sendo os mesmos que aqueles
reclamados na Ação de Londres. Ocorre que ninguém consegue explicar aqui no Brasil como esses
danos são calculados, quais parâmetros de distribuição entre as vítimas pessoas físicas e os
municípios serão adotados.

SIGA O INSTAGRAM DO PORTAL DE NOTÍCIAS ES FALA: @esfalaoficial

Guilherme de Castro, procurador-geral-adjunto de Colatina na Inglaterra/ crédito Francisco Proner.

ES FALA: Quais são os critérios para determinar quem tem direito a receber compensação e reparação
pelos danos causados pelo desastre?

PROCURADOR: Esse é um dos pontos que será objeto de prova e decisão judicial na Ação de Londres, sobretudo para reconhecer quais as pessoas físicas terão a legitimidade de receber as diferentes indenizações e reparações reclamadas.

A respeito do município de Colatina, como Procurador Geral-Adjunto, respondo com segurança que
não há nenhuma controvérsia a respeito da legitimidade do município em reclamar todas as verbas
pleiteadas através do escritório inglês, pois quem mora em Colatina sabe muito bem a tragédia de
abastecimento de água que foi na época da contaminação do rio Doce.

Colatina depende 100% da água do Rio Doce. O custo operacional de tratamento e captação da
água do rio exige cada vez mais da Administração Pública e de sua autarquia municipal, o
SANEAR. A turbidez e o próprio volume e vasão das águas do Rio Doce nunca mais foram as
mesmas, causando o colapso na pesca, na vida e subsistência de sua população ribeirinha, de parte
do turismo, cultura e patrimônio paisagístico da cidade, que sempre teve como cartão postal do rio
Doce.

ES FALA: Os atingidos que receberam um valor menor após o desastre e assinaram um documento
renunciando ao direito de processar a Vale, Samarco, também terão o direito receber a
indenização nesse processo na corte inglesa?

PROCURADOR: A esse respeito, tanto o Ministério Público aqui no Brasil, quanto a Pogust Goodhead, em nome daquelas pessoas físicas que são seus clientes na Ação de Londres, estão buscando a invalidação
desse “documento de quitação”.

Essa discussão certamente será enfrentada tanto nos processos que tramitam aqui no Brasil, quanto
na ação de tramita em Londres.

Sobre o município de Colatina, o prefeito Guerino Balestrassi, sabendo da total desproporção entre
propostas de solução oferecidas pela Samarco, BHP e Vale, nunca assinou qualquer documento
dando total ou parcial quitação aos gravíssimos prejuízos sofridos pela população e pela
Administração Pública, agindo com responsabilidade enquanto prefeito municipal.

ES FALA: Quais são os desafios enfrentados pelos advogados na busca por justiça e reparação para as
vítimas do desastre do Rio Doce?

PROCURADOR: O processo é considerado a maior ação coletiva ambiental do mundo, pois foi movido, em 2018, por cerca de 700 mil atingidos e tem um pedido global de R$ 230 bilhões.

A quantia recorde pleiteada na justiça, e o número recorde de autores numa ação por dano ambiental
já seriam por si só um desafio enorme. Entretanto, além de tudo isso, estamos falando de duas das
maiores empresas do planeta, a BHP e a Vale. São dois conglomerados empresariais que detém um
investimento bilionário em estrutura jurídica, administrativa e de produção e divulgações de
conteúdos midiáticos que mais servem para confundir do que esclarecer a população.

Essas complicações se tornam ainda mais problemáticas quando se olha para o trâmite das ações no
Brasil, pois aqui a União e os governos do estado de Minas e Espírito Santo reclamam para si um
protagonismo que deveria ser só das vítimas e dos municípios atingidos. Eles buscam uma forma de
controle de todos esses processos e valores oriundas das futuras indenizações.

ES FALA: Como você avalia o andamento do processo até o momento e quais são as expectativas para
o desfecho do caso?

PROCURADOR: Com certeza as impressões são boas. Trazem esperança depois de mais de 8 anos de espera.

A ação foi levada à Inglaterra pelo fato da BHP ser uma empresa angloaustraliana. Pela lei do país,
réus ingleses podem ser julgados nos seus tribunais, mesmo em relação a acusações feitas no
exterior. Dentro dessa primeira configuração, a Vale não era Ré na ação, porém, por uma iniciativa
da BHP, a Vale foi incluída no processo.

A Vale apresentou impugnações à sua entrada como Requerida na ação, porém, a juíza do caso,
Finola O’Farrell, manteve a Vale para responder junto com a BHP. Por conta do momento
processual que a Vale ingressou na ação e pelo volume de documentos e provas envolvidos, houve
um pequeno ajuste de prazo de conclusão do caso em 3 semanas, mantendo-se o início de
julgamento para outubro desse ano de 2024.

Uma resposta

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

error: Conteúdo protegido